Sobre amores e bebidas

O amor nos inebria. Quando cessa, a depender das circunstâncias, pode nos causar ressaca (na maioria das vezes causa). Se não causou, muitos põem em dúvida se realmente chegou-se a amar.

Amei, muito e por muito tempo. Mas também há muito tempo não amava, entretanto continuava a virar doses e mais doses em busca de um êxtase que já não me era possível. O pior bêbado, aquele que vomita, cai, dorme, acorda, levanta e ainda quer continuar a beber, ainda que já não sinta mais nada. Isso se agrava quando sua companhia de bar também não sabe a hora de parar.

Após uma bebedeira dionísica, que há de lhe causar uma violenta ressaca, física e moral, a natural resposta do indivíduo é sempre a mesma: nunca mais irei beber. De fato, alguns nunca mais bebem. Outros se reprimem, tornam-se bebedores casuais.

Eu? Ah, eu nunca prometi nada, já estou velho demais para me comprometer com o que eu não posso cumprir. E confesso: gosto demais do sabor da bebida, da primeira dose, quando ainda se está completamente sóbrio, do retrogosto subsequente, apreciado nas pausas entre um gole e outro, do enlevo da embriaguez se acomodando em meu corpo, relaxando meus músculos e me deixando vulnerável.

Mas há sempre o risco, e não, não falo só da ressaca, mas dos múltiplos eventos catárticos, bons e ruins, que podem emergir em meio a um mergulho no álcool. Por isso há gente que conscientemente se dispõe a permanecer no raso, há quem prefira bebidas mais fracas e se restrinja a algumas cervejas, batidas e licores. Aprecio sim uma cerveja, um vinho, mas como bom brasileiro, eu gosto mesmo é da cachaça.

Tudo depende do contexto, da parceria de boteco.

Sim, existem os alcoólatras, se camuflam em meio a multidão, nem sempre é fácil reconhecê-los (ou reconhecer-se). No início da bebedeira parecem mais um botequeiro qualquer, mas logo vêm os sinais da relação conturbada com a bebida. Demandam doses muito maiores para que sintam qualquer efeito, choram, brigam, estragam a alegria do ambiente e colocam a si e a outros em risco.

Se a ciência estiver certa sobre a hereditariedade, tenho tendência sim ao alcoolismo. Mas isso diria só que as probabilidades são maiores, não que agora sim elas são existentes. Valeria a pena a vida abstêmio?

O bar é uma obra aberta, cada um de seus componentes é um artista, a cada vez que me ponho em seu palco, a cada representação, não sei como será, nem quero saber. No final, sempre haverá a volta pra casa, seja cedo ou tarde, ainda um pouco sóbrio ou completamente bêbado, só ou acompanhado.

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