(•_•)
<) )╯ Always
/ \\
\\(•_•)
( (> Own
/ \\
(•_•)
<) )> Your Platform
/ \\
“Sempre tenha a sua plataforma”. Será que é tão simples?
Big techs, plataformas, software como serviço e afins
Provavelmente, quem nasceu nos anos 2000, já encontrou uma internet dominada pelas big techs, com suas plataformas, propriedades privadas que constroem muros entre seus usuários e a “internet lá fora”.
Redes sociais, serviços de streaming de vídeo e música, ferramentas de escritório e todo o tipo de ferramenta profissional, tudo virou um serviço. Um serviço que as vezes se traveste de aberto, usando porções de código open source, caindo nas graças dos devs desavisados.
Da perspectiva dos usuários, tais serviços são extremamente atrativos, muitas vezes gratuitos, já dominam o mercado e sejamos honestos, por vezes muito mais práticos. Por exemplo, a maioria das pessoas não quer utilizar uma rede social em que as pessoas ainda não estão lá (é contraditório), ou um editor de texto que não está na nuvem com edição colaborativa.
As empresas? Estas já estão habituadas à lógica do mercado, relação cliente/consumidor: “se quero usar serviço x, é natural que eu use uma plataforma e pague por isso.” (nem que seja com seus dados). Outras podem se preocupar, mas muitas vezes abdicar de certos serviços que amadureceram por anos de investimentos e força de trabalho de dezenas, centenas de trabalhadores, pode ser uma desvantagem estratégica significativa.
Tenha a sua plataforma
Não consegui encontrar as origens desse mantra, mas sei que no início dos anos 2010, alguns profissionais de marketing digital e desenvolvedores começavam a falar mais sobre isso. Basicamente o termo alerta para a importância de você ter sua plataforma, principalmente de produção de conteúdo, um site com domínio próprio, com um software auto-hospedado (em geral um software livre) que te garanta autonomia. Se você tem uma conta em uma rede social, ou mesmo em uma plataforma de criação de sites, você estaria em um espaço “alugado” (ainda que você não pague em dinheiro).
Coincidentemente foi nesse mesmo período plataformas como o Facebook ganhavam tração mundial, e seu recurso de páginas corporativas fez com que algumas empresas até abandonassem o seu próprio site e apontassem seus domínio para a fanpage do face (caso da agência África que, aposto que alguém não quis dar o braço a torcer, continuam assim até hoje).
Na sequência, na segunda metade da década, com a ascensão do Medium, muitos produtores de conteúdo começaram a migrar para lá, até mesmo jornais começaram a publicar na plataforma, isso trouxe mais um sinal vermelho para que profissionais da internet mais engajados vociferassem o bordão.
E hoje em uma ou outra conversa pode-se ver alguém trazendo o assunto a tona de forma dispersa. O desenvolvedor Sean Blanda criou um site no domínio http://www.alwaysownyourplatform.com/ como forma de divulgar o tema e listar algumas matérias que apontam para essa motivação, na mesma linha existem os DeleteFacebook.com, DeleteInstagram.com, para citar alguns.
Ter sua plataforma pode não ser tão simples
Você pode dizer que existem sim diversos projetos de software livre, que há alternativas, porém os projetos patinam quanto a um modelo sustentável de financiamento. E assim o abismo entre as ferramentas dominantes e suas alternativas parece aumentar.
Há anos tento procurar uma solução de CRM livre, para citar um exemplo. Há opções, mas estão muito aquém do que as empresas privadas alcançaram. Eu poderia desenvolver a minha própria, e caso não fosse um programador, contratar alguém, mas em ambos os casos, quanto seria o custo para ficar tão bom quantos as plataformas disponíveis? Vamos falar de outro exemplo: e-commerce. Primeiro você tem os marketplaces, que concentram a maior ‘’praça” de consumidores, depois vêm uma gama de plataformas proprietárias que trocam praticidade por uma fatia de seu faturamento. E isso funciona, no curto prazo as plataformas são sim mais viáveis, imagine, contratar um profissional para implantar uma solução própria, em um servidor próprio, dar manutenção, pode ser custoso e complexo para pequenos empreendedores.
Bradar “Sempre tenha a sua plataforma” (Always own your platform) não é suficiente, e para a maioria das pessoa, algo difícil, tanto de assimilar como de por em prática. O que nos resta, crer que não há solução?
Siga o dinheiro
Observo contradições entre software livre e capitalismo, contradições estas que produzem coisas estranhas, como uma lógica meritocrática de contribuição, software livre que só existe pelo financiamento de uma grande corporação privada, governança por “ditadores benevolentes”, projetos mantidos por um ou dois indivíduos e usado por milhares de empresas que sequer contribuem financeiramente com os mantenedores, dentre outras coisas.
As empresas, percebendo o perigo, começam a se mexer em iniciativas para garantir o mínimo para que alguns projetos dos quais elas dependem, se mantenha de pé. Um exemplo é a linguagem PHP, mantida até então por contribuidores sem um financiamento centralizado, com um bus factor de duas pessoas – ou seja, se duas pessoas acordassem e decidissem fazer outra coisa da vida delas, ou fossem atingidas por um ônibus, a linguagem estaria em problemas para se manter. A partir da iniciativa de empresas como JetBrains, Automattic, dentre outras, teve recentemente uma fundação criada, a PHP Foundation, para arrecadação de fundos e promoção da manutenção e evolução da linguagem.
Mas porque digo que elas garantem o mínimo? Veja, a maior contribuição de todas é da JetBrains, $100,000/ano, em seguida vêm contribuições de $25,000/ano (Acquia, Automattic, Livesport). A média salarial de developer nos EUA, pelo Glassdoor (21/03/2022) é de $97,000/ano. Ou seja, a maioria das empresas com centenas, milhares de funcionários, não contribuem sequer com o salário anual médio de uma pessoa de desenvolvimento. E nem entramos no mérito ainda de que muitos projetos têm um grau de complexidade elevado, que as pessoas que atuem neles têm no mercado oportunidades de ter salários maiores que a média.
Quando você usa React, você está utilizando a biblioteca front-end criada e mantida pelo Facebook (ou Meta); quando você escreve no Medium ou no Dev.to, você está utilizando a plataforma destas empresas; usando o Android, você está utilizando o sistema operacional criado a mantido pelo Google; ao usar o Firefox, você está utilizando o navegador criado e mantido pela Mozilla Foundation; ao usar a biblioteca curl, você está utilizando um código que foi majoritariamente mantido por um único indivíduo por mais de 20 anos com os próprios recursos.
É importante estar ciente de como um projeto é mantido, pois isso pode dizer muitos sobre suas intenções. Facebook criou o React por uma necessidade técnica? Sim, mas melhor ainda se puderem se beneficiar ao máximo disso, seja dominando o mercado e garantindo que milhões a conheçam para que tenha facilmente pessoas para reposição em seus postos de trabalho, ou então alterando sua licença para torná-lo um software privado, talvez.
Um episódio interessante foi a discussão sobre o uso de React no WordPress, em 2017, que culminou em mudanças na licença da biblioteca para que o time do WordPress continuasse a utilizá-la: https://ma.tt/2017/09/facebook-dropping-patent-clause/
Liberdade
Precisamos ter consciência do software que consumimos, como meio de lazer, como ferramenta de trabalho, mas muito menos por um suposto “consumo consciente”, mas por um entendimento do cenário que nos está apresentado. Como um software pode ser livre, com a dependência financeira de grandes corporações, submetido a seus interesses? Claro que se me perguntarem, eu direi, sem receios: “Sempre tenha a sua plataforma”, mas não o farei achando que é fácil ou a solução.
As quatro liberdades fundamentais do software livre, listadas no site da Free Software Foundation, que copio aqui, são:
- A liberdade de executar o programa como você desejar, para qualquer propósito (liberdade 0).
- A liberdade de estudar como o programa funciona, e adaptá-lo às suas necessidades (liberdade 1). Para tanto, acesso ao código-fonte é um pré-requisito.
- A liberdade de redistribuir cópias de modo que você possa ajudar outros (liberdade 2).
- A liberdade de distribuir cópias de suas versões modificadas a outros (liberdade 3). Desta forma, você pode dar a toda comunidade a chance de beneficiar de suas mudanças. Para tanto, acesso ao código-fonte é um pré-requisito.
Percebam que elas focam na perspectiva de uso do software a partir dele pronto, mas sem dúvida definem diretrizes essenciais para um software livre. Talvez precisemos de algo voltado para o modo de produção, que entenda que software verdadeiramente livre precisaria estar desvinculado dos interesses corporativos e garantir que os trabalhadores que os produzem, do mundo todo, não somente os do primeiro mundo, tenham condições de exercer tais liberdades, para que elas sejam, de fato, concretas.