WordPress, colabora quem quiser?

Um pouco dos meus pensamentos sobre contribuição para o WordPress e software livre em geral.

Software livres possuem grandes desafios de financiamento, de tempos em tempos este assunto vêm a tona. As formas de arrecadação de fundos e contribuição são diversas, mas podemos resumir em:

  • a) pessoas que colaboram com seus próprios recursos materiais;
  • b) e pessoas que recebem algum apoio, seja ele via iniciativa privada, financiamento coletivo ou organização sem fins lucrativos;

A manutenção do WordPress

Como funciona a manutenção e desenvolvimento do WordPress? Atualmente seu desenvolvimento é coordenado pelo seu cocriador, Matt Mullenweg, que é o líder do projeto. Em sequência, na hierarquia dos que atuam no núcleo do WordPress, vêm os core contributors, colaboradores de confiança com maiores permissões no projeto. Porém, para além do código fonte, o WordPress possui diversas frentes de contribuição, como design, comunicação, comunidade e tradução.

Se pegarmos estatísticas de contribuição de código, nas versões do WordPress, mesmo as mais recentes, veremos que as contribuições partem massivamente dos Estados Unidos e Europa. Ásia e o sul global, no geral, tem poucas e pontuais contribuições. Rodrigo Primo, em sua dissertação de mestrado, fez um trabalho de análise de dados trazendo a tona essa discrepância. (veja mais em: https://rodrigo.utopia.org.br/2017/09/05/defesa-da-minha-dissertacao-de-mestrado/)

As contribuições como as de comunidade e tradução são um pouco mais descentralizadas, dependem da iniciativa local para acontecerem. A tradução para os diversos idiomas e dialetos se dá de forma remota, com equipes locais de gestores e revisores que coordenam as atividades através da própria plataforma do site (saiba mais em: https://br.wordpress.org/team/handbook/traducao/)

Cartograma dos países onde vivem as desenvolvedoras do core do WordPress. PRIMO, Rodrigo. O Discurso do global nas comunidades de software livre: Estudo de caso do WordPress. Disponível em: https://rodrigo.utopia.org.br/files/Dissertação.pdf

Quanto aos eventos da comunidade, chamados de meetups e WordCamps, são eventos locais, que visam agrupar os membros de uma determinada cidade ou região que são entusiastas da plataforma e promovê-la a novos membros. Ainda que locais, suas diretrizes de organização e autorização obedecem às normas da WordPress Foundation.

Os eventos não possuem fins lucrativos, e a WordPress Foundation apoia financeiramente com repasse de patrocínio global, de empresas que optam por patrocinar múltiplos WordCamps de uma determinada região através da fundação. Os organizadores também são livres para cobrar ingresso, dentro de um determinado limite, e arrecadar patrocínio local.

A comunidade brasileira hoje

Infelizmente, ano após ano, temos visto o número de contribuições aqui no Brasil caírem, enquanto a adoção do WordPress aumenta (hoje estimasse que a plataforma seja utilizada por mais de 40% da web). Este número de contribuidores já vinha em declínio, mas com a pandemia o processo foi acelerado. As razões são as mais diversas, porém é notável a saída de colaboradores de longa data, que não conseguem mais contribuir com a comunidade no mesmo ritmo ou zeraram suas contribuições, isso tudo somasse à falta de renovação no quadro de colaboradores.

Em seu site, o WordPress propõe uma iniciativa chamada de 5 for the future (5 pelo futuro) (https://wordpress.org/five-for-the-future/), em que chama empresas para contribuírem com 5% de sua força de trabalho para a manutenção da plataforma. A companhia Automattic, fundada pelo co-criador do WordPress, Matt Mullenweg, que mantém a plataforma WordPress ponto com, possuí o maior número de colaboradores patrocinados, pessoas pagas para atuar em período integral ou parcial no código fonte ou comunidade. Eles não o fazem por altruísmo: o maior produto deles depende e é construído totalmente em cima do software livre, este mesmo que também utilizamos.

Pouquíssimas empresas nacionais aderem à proposta, seja por desconhecimento, desinteresse, ou mesmo falta de recursos. Não as culpo. Vejamos só, a proposta parece, em um primeiro olhar, interessante, justa, mas quão mais fácil é para Automattic, WPEngine, 10up, Yoast e outras grandes empresas do ecossistema WordPress contribuírem com 5% de sua força de trabalho do que uma pequena ou mesmo média agência?

Por que seria importante termos uma maior participação brasileira no WordPress?

  1. Ninguém além de nós mesmos se preocupará em fazer a tradução do WordPress para o português brasileiro, esse é o primeiro ponto. Recentemente o novo tema que foi lançado com a versão 5.7 da plataforma, o Twenty Twenty One, ficou sem uma tradução completa por semanas. Quantos usuários brasileiros não fizeram sua primeira instalação da plataforma e se depararam com termos em inglês em seu site? (Imaginem que isso pode vir a ocorrer com o próprio core do WordPress em um futuro próximo, no cenário atual)
  2. O WordPress possui papel importante na democratização da publicação. Portais de mídia independente, blogs, coletivos e organizações sociais, uma diversidade de grupos e indivíduos hoje se beneficiam de uma plataforma livre de royalties para se comunicar e expressar. A participação plural na construção de um software com essa função é essencial para a manutenção de seu propósito: democratização da publicação.
  3. Há um mercado nacional interessado na plataforma: agências, freelancers, provedores de hospedagens e mesmo grandes empresas de tecnologia que o utilizam em projetos internos e institucionais; uma série de profissionais têm atuado com a plataforma. Em um mundo em que há a convergência para a centralização de plataformas, marketplaces, fortalecer um software que permite a fácil implantação, livre de royalties, de uma loja virtual, por exemplo, é de total interesse para um mercado mais competitivo e menos centralizado.
  4. Para além das traduções e comunidade, uma participação mais diversa, ressaltando que, não somente em recortes geográficos, como demográficos, é de suma importância para que a essência da democratização da publicação na web seja observada no projeto. É preciso buscar uma maior participação brasileira, mas é preciso observar recortes de gênero, raça, orientação sexual dentre outros, sub-representados no projeto.
  5. O WordPress tem uma estrutura organizacional com o seu cocriador sendo referenciado por vezes como um “Ditador Benevolente” (na verdade muitos projetos open source seguem tal modelo). Porquê contribuir com um software construído nesta estrutura? Muitos têm apontado a necessidade de mudanças nessa organização, mas o fato é que é preciso mais vozes para promover esta mudança. o WordPress está aí, em mais de 40% da web, há 18 anos. Construir algo totalmente novo não é fácil, exigiria esforço, tempo e muito, muito dinheiro.

Como colaborar?

Há diversas formas de colaboração e a comunidade possui uma razoável organização de como estas colaborações podem ser feitas (veja: https://br.wordpress.org/2019/07/03/venha-participar-da-comunidade-do-wordpress-brasil-no-slack/), mas o fato é: precisamos de contribuições patrocinadas.

Fora das contribuições patrocinadas, toda ação estará vinculada ao discurso meritocrático e será insustentável a longo prazo.

Este texto é muito mais um convite à reflexão sobre como essa ferramenta de trabalho, minha e de tantos outros, se estrutura e se sustenta hoje, do que um chamamento à contribuição. Mesmo a contribuição patrocinada pode incorrer em problemas, mas fora dela estamos pior.

Se você possui uma empresa, ou faz parte da liderança de uma que utiliza o WordPress de alguma forma, e possui condições materiais para tal, considere patrocinar uma pessoa contribuidora, uma funcionária de sua equipe que atuará parcial ou integralmente na plataforma.

Se você, indivíduo, possui condições materiais para tal, e tem esse desejo, contribua.

Mas é preciso entender que a estrutura precisa mudar. Ter seu código aberto, processos de contribuição, colocar em discurso que todos podem contribuir não é suficiente.

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Daniel Kossmann
2 anos atrás

Parabéns pelo texto, excelente reflexão! Ando refletindo bastante sobre o assunto nos últimos meses, vou te chamar no Slack da comunidade para trocarmos uma ideia.

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